sexta-feira, 24 de agosto de 2007

A Pequena Dor (Rui Veloso)

Sob a luz pálida do velho candeeiro, olhava a Lisboa que há muito o acolhera, mas que ainda não o conseguira entender. Sentado junto à janela, esperava que um relâmpago rompesse o céu e destruisse a aparente imobilidade da cidade. Queria correr as ruas, vasculhar os prédios, trazer de volta o burburinho da multidão.
Ouviu vozes. Depois risos. Depois gargalhadas. Lá fora, o vinho aquecia corpos e conversas. Quis juntar-se a eles, troçar daquela cidade que o apertava e daqueles que lhe roubavam esperança e anular aquela dor pequenina, incómoda, constante. Mas as gargalhadas foram-se afastando até se reduzirem ao mesmo silêncio que o incomodava há dias.
Foi então que decidiu fugir daquelas quatro paredes que o sufocavam. Fugiu para longe, para junto de rostos desconhecidos, para junto de olhares que nada lhe diziam. Deixou que a cidade o corrompesse e transformasse, sentiu-se zonzo e teve medo, mas não permitiu que aquele medo o impedisse de continuar. Fechou os olhos e recordou outros rostos, outros corpos...
Quando acordou, a dor ainda lá estava. Pequena, mas maior. Voltou a fechar os olhos e desejou que a dor desaparecesse.

1 comentário:

Anónimo disse...

Tinha que escrever no teu blog, claro. Tinha que comentar um post, claro. Tinha que ser este, claro.
Era para deixar registado que este gayzolas escreve tão bem que me deixa cá dentro essa pequena dor enquanto os meus olhos percorrem estas linhas.